Publicado por: Carlos Borges Bahia
Publicado em 14 de junho de 2025

Moraes esqueceu de mencionar: “Em todos esses casos, deve haver perfeita liberdade, legal e social, para realizar a ação e suportar as consequências”.

O ministro Alexandre de Moraes, insiste em citar o pensamento do filósofo inglês, como argumento na sessão do julgamento sobre regulação das redes sociais, porém, de forma distorcida sobre liberdade de expressão.

Segundo o Antagonista, Moraes (foto) faz uso filosofico de John Stuart Mill para rebater os críticos durante o julgamento com o qual o Supremo Tribunal Federal (STF) pretende justificar a decisão de responsabilizar as plataformas de redes social pelos conteúdos publicados por seus usuários.

Denny Xavier, PhD em filosofia, explica que Moraes não levou em consideração elementos balilares da obra de Stuart Mill, ao usar citá-lo para fundamentar seu argumento do motivo da regulação das redes sociais pela Suprema Corte.

O ministro do STF confundiu ato (discutido no capítulo IV, “Dos limites da autoridade da sociedade sobre o indivíduo”) com expressão da opinião (discutida no capítulo II, “Da liberdade de pensamento e discussão”) ao citar trechos de Sobre Liberdade, que Moraes já tinha mencionado de forma errada ao tentar justificar a suspensão do X no Brasil.

É pior

Mas é pior do que isso: Moraes fez uma citação incompleta, deixando de fora um trecho crucial, que contraria sua posição, já majoritária no STF, de considerar inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil da Internet, que prevê a mediação da Justiça para a moderação de conteúdos alegadamente prejudiciais a terceiros nas redes sociais.

“Stuarl Mill diz, ao defender a liberdade de expressão: ‘a única liberdade que merece esse nome é a de buscar o nosso próprio bem, da nossa própria maneira, contanto que não tentemos privar os outros do seu próprio bem ou impedir seus esforços para obtê-los’”, disse o ministro, seguindo:

“‘A humanidade’, e sempre em defesa da liberdade de expressão, como todos aqui no Supremo Tribunal Federal são, ‘a humanidade’, disse Stuart Mill, ‘ganha mais tolerando que cada um viva como lhe pareça bom, do que os forçando a viver como parece bom aos demais. Segue a liberdade dentro dos mesmos limites de combinação entre indivíduos. Liberdade para se unir para algum propósito, não envolvendo dano aos outros’. Repito: ‘não envolvendo danos aos outros’.”

Moraes finalizou assim a citação:

“E conclui: ‘tão logo que qualquer parte da conduta de alguém influencia de modo prejudicial os interesses de outros, a sociedade adquire jurisdição sobre tal conduta, e a questão de saber se essa interferência favorecerá ou não o bem-estar’. Repito essa última parte: ‘tão logo que qualquer parte da conduta de alguém influencie de modo prejudicial os interesses de outros, a sociedade adquire jurisdição’.”

Deve haver perfeita liberdade

Como já foi dito, Stuart Mill trata de atos, e não de palavras ao dizer isso em seu livro. E, mesmo assim, a citação feita por Moraes não autorizaria censura prévia, que será a consequência inevitável do julgamento do STF sobre a regulação das redes sociais — as demonizadas big techs terão de proibir assuntos, palavras ou sabe-se lá o que mais, para se precaver da enxurrada de multas que deve vir.

O ministro deixou de mencionar o seguinte trecho, que finaliza o parágrafo sobre a jurisdição da sociedade sobre os atos dos indivíduos: “Em todos esses casos, deve haver perfeita liberdade, legal e social, para realizar a ação e suportar as consequências”.

Quer dizer, não há na obra de Stuart Mill qualquer autorização para censurar assuntos previamente ou bloquear perfis de rede social, por mais que os ministros do STF imaginem que estão do lado da liberdade de expressão ao controlar o discurso no ambiente virtual.

Pelo contrário. O filósofo inglês diz o seguinte no mesmo livro:

“O mal peculiar de silenciar a expressão de uma opinião é que isso rouba a raça humana; a posteridade, bem como a geração atual; aqueles que discordam da opinião, ainda mais do que aqueles que a defendem. Se a opinião estiver correta, eles são privados da oportunidade de trocar o erro pela verdade; se estiver errada, perdem, o que é um benefício quase tão grande, a percepção mais clara e a impressão mais viva da verdade, produzidas por sua colisão com o erro.”

Remédio e veneno

Durante o voto de Cristiano Zanin no mesmo julgamento, proferido no dia anterior ao de Moraes, Edson Fachin destacou uma “preocupação macroscópica” com o que o STF está fazendo ao tentar regular as redes sociais:

“Que o remédio que se encontre, pela dose, vire o veneno. Esse é o problema, da dosimetria que vai se administrar nesse contexto. E é disso, a rigor, que nós estamos verificando desde o voto de hoje cedo, do ministro Flávio [Dino], os votos anteriores. É esse juízo de ponderação que há entre liberdade e responsabilidade. Se pesarmos muito nesses dois pratos dessa balança que está aqui, posta nesse cenário em jogo, nós poderemos ter efeitos mais danosos do que os atuais.”

Os ministros do STF parecem ter se tocado, durante o julgamento, da dificuldade de fazer aquilo que pretendem, e ainda não está claro em que termos será feita a tal da regulação, mas o mais preocupante é que, a cada sessão, fica mais claro que suas noções sobre liberdade de expressão são disorcidas.

Moraes citou Stuart Mill para desqualificar quem estaria referenciando a obra do filósofo inglês a partir de trechos pescados na internet, sob a alegação de que distorcem o espírito do que está dito no livro, mas, ironicamente, apesar de dar a entender que leu o tratado sobre a liberdade, o ministro distorce seu conteúdo com uma leitura enviesada.

A citação do ministro sobre a liberdade saiu pela culatra, mais uma vez, para atingir o Brasil inteiro.

Fonte: O Antagonista – Foto Toni Molina STF

Veja Também

Moraes não entendeu a ideia filosófica de Stuart Mill

Moraes esqueceu de mencionar: “Em todos esses casos, deve haver perfeita liberdade, legal e social, para realizar a ação e suportar as consequências”. O ministro Alexandre de Moraes, insiste em citar o pensamento do filósofo inglês,...